São Paulo, 03 de setembro de 2019.
“O crescimento econômico do mundo desenvolvido está em fase final de ciclo e a moeda de
maior juros é o dólar.”
Caros cotistas, investidores e parceiros,
Um dos maiores eventos científicos do ano foi a divulgação da foto de um anel esfumaçado de cor alaranjada, com um centro escuro: a primeira foto de um buraco negro da história. Este feito foi fruto de um trabalho colaborativo de mais de 200 pesquisadores ao redor do mundo, processando uma quantidade gigantesca de dados, vinda de oito telescópios ao redor do planeta.
O Event Horizon Telescope (EHT), uma iniciativa internacional conjunta, foi desenhado para capturar imagens de buracos negros. O buraco negro fotografado está no centro da galáxia Messier 87, a 55 bilhões de anos-luz da Terra e tem uma massa 6,5 bilhões maior que a do Sol.
De acordo com a Teoria Geral da Relatividade, buracos negros são regiões no espaço que sugam tudo ao seu redor, das quais nada, nem mesmo a luz, consegue escapar.
A importância da liquidez no mundo
Na Dahlia acreditamos que a liquidez geral do sistema é muito relevante para explicar os movimentos do mercado. Para contrabalancear os efeitos da crise de 2008 e após reduzir a taxa
de juros para zero, o Fed (banco central norteamericano) iniciou o seu primeiro Quantitative Easing (QE).
Este “afrouxamento quantitativo” consistia na compra de títulos no mercado. Inicialmente, o Fed comprou US$600 bilhões de hipotecas, mercado cuja liquidez havia caído muito durante a crise. Ao comprar esses títulos (em troca de dinheiro), o Fed conseguiu aumentar a liquidez do sistema, aliviando os mercados.
Foram necessárias mais duas rodadas de QE´s e US$4,5 trilhões de dólares em ativos para que a
economia americana finalmente mostrasse sinais mais fortes de recuperação.
Afinal, por que a liquidez é importante? Aqui estamos nos referindo à liquidez geral do sistema financeiro e não de nossos portfolios. Ao fazer o QE, os agentes de mercado vendem ao Fed seus títulos e recebem dinheiro em troca. Estes podem ser utilizados para comprar ações, imóveis, empresas, outros títulos de dívida ou mesmo fazer investimentos. Isso pressiona os juros para baixo e aumenta os preços dos ativos financeiros, estimulando a economia.
A teoria do dólar milkshake
Em 2016, com a economia americana dando sinais de menor fragilidade, o Fed iniciou o processo de alta de juros. Além disso, em 2018 o mesmo Fed também começou o “aperto quantitativo” (Quantitative Tightening – QT). Ao passar ao QT, o Fed então tomaria dinheiro do mercado em troca dos títulos. Ou seja, passaria a restringir a liquidez do sistema.
Isto causou uma situação atípica no ano passado. O movimento de alta de juros e de aperto quantitativo pelo Fed acontecia enquanto outros bancos centrais do mundo faziam exatamente o oposto. Este descompasso criou no mercado o que alguns especialistas chamaram de teoria do dólar milkshake.
Os principais bancos centrais do mundo estavam injetando dólares, euros, ienes e yuans nas
economias, um grande milkshake monetário. Contudo, quando o Fed passou a praticar o QT
ao invés do QE, ele trocou a seringa por um canudo. Parou de injetar dólares na economia e
passou a sugar dólares de todos os outros.
A consequência direta disso foi o fortalecimento do dólar contra as outras moedas do
mundo. Desde o início do QT, o dólar se valorizou em 10%. No início deste ano, conforme antecipado por nossa carta, o Fed anunciou o final do ciclo de alta de juros e do QT, após uma
grande turbulência nos mercados.
O buraco negro das moedas
Apesar da mudança de postura do Fed, a situação do dólar pouco mudou. A relação de valor
entre duas moedas, sempre uma via de mão dupla, deve no longo prazo refletir o crescimento relativo dos países em questão, entre outras coisas. Um país que cresce mais deveria ter uma moeda mais apreciada e vice-versa.
Com a eleição de Trump, os EUA viram uma significativa expansão fiscal (menores impostos e
mais gastos do governo) e, por consequência, uma aceleração de seu crescimento. Dentre as
economias desenvolvidas, a economia americana tem se destacado como a de maior crescimento nos últimos anos.
Além disso, num ambiente de Game of Doves, as taxas de juros mais altas nos EUA acabam
atraindo mais dólares para a economia, fortalecendo ainda mais sua moeda. É como se o dólar
fosse o buraco negro das moedas. As taxas de juros cada vez menores dos outros países reduzem a velocidade de escape dessas moedas.
Vale lembrar que 95% dos juros pagos no mercado global de renda fixa com grau de investimento está denominado em dólares.
O caso do dólar a R$4,50
Ninguém escapa do buraco negro do dólar norte-americano. Nem mesmo o real. É bem possível também que o repasse para a inflação, como mostrado no gráfico a seguir, seja limitado. Ou seja, a moeda deprecia e não há pressão para o Bacen encerrar o ciclo de cortes da nossa taxa de juros.
Ao compararmos o real com outros emergentes ou produtores de commodities, não conseguimos afirmar que o real está barato. O processo de abertura econômica e da conversibilidade da moeda (livre conversão para dólares) também demandam uma moeda mais depreciada.
Por conta do dólar milkshake/buraco-negro, pelo repasse limitado da inflação, seu valor relativo a outras moedas e andamento das reformas liberais, acreditamos que o real deveria continuar a se depreciar nos próximos meses.
O passado
Em agosto, vimos uma gangorra dos mercados. O Ibovespa chegou a subir 2,3% no mês, mas
teve uma queda de 7,4% e acabou fechando o mês em -0,7%, após uma leve recuperação. Agosto foi também marcado por alguns movimentos atípicos: uma desvalorização de 5% das moedas emergentes, a queda desenfreada da bolsa argentina e mais de 30 papéis caíram mais de 20% na B3. Terminamos nossa carta passada escrevendo “Winter is coming”. Parte da explicação desses movimentos deve estar relacionada à queda de liquidez no sistema.
E o futuro?
Nosso otimismo com os ativos brasileiros continua intacto (com exceção da moeda). Porém, devemos ter mais turbulência nos mercados globais e o buraco negro das moedas continuará a agir. Assim como Han Solo pilotando a Millenium Falcon, manobraremos para chegar à nossa velocidade de escape. Interessante notar que, para nós, isso significa pisar no freio (reduzir o risco) e não no acelerador.
Desde o início em maio/18, o retorno acumulado do Dahlia Total Return foi de 37,3%, equivalente a 465% do CDI e 552bps acima do Ibovespa, mas com um risco 52% inferior.
Obrigado pela confiança,
Dahlia Capital
+55 11 4118-3148
Créditos finais:
Gráficos: Bloomberg e Dahlia Capital
Fotos: Depositphotos, , eventhorizontelescope.org
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